segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Saramago (ou Postagem Preguiçosa)

Em março (ou maio?) vai estrear o filme "Blindness", versão cinematográfica do livro do José Saramago, "Ensaio sobre a cegueira". Eu já li o livro e tenho que recomendá-lo. A escrita do Saramago (ou nossa leitura do Saramago) nem sempre é muito fácil porque ele tem o hábito de encher páginas com um único parágrafo, às vezes com uma única frase! Mas vale muito a pena, é questão de pegar o jeito e se habituar.
Eu também li "A Caverna" e aqui vão dois trechos do livro:

“Autoritárias, paralisadoras, circulares, às vezes elípticas, as frases de efeito, também jocosamente denominadas pedacinhos de ouro, são uma praga maligna, das piores que têm assolado o mundo. Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais dificultosa operação das aritméticas humanas, dizemos ao abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativas dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lia e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar estrangulamentos, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida. Marta disse ao pai, Comecemos pelo princípio, e parecia que só faltava que um e outro se sentassem à bancada a modelar bonecos entre uns dedos subitamente ágeis e exactos, com a antiga habilidade recuperada de uma longa letargia. Puro engano de inocentes e desprevenidos, o princípio nunca foi a ponta nítida e precisa de uma linha, o princípio é um processo lentíssimo, demorado, que exige tempo e paciência para se perceber em que direção quer ir, que tenteia o caminho como um cego, o princípio é só o princípio, o que fez vale tanto como nada.” (pp. 71-72)

“...os sonhos humanos são assim, às vezes pegam em coisas reais e transformam-nas em visões, outras vezes põem o delírio a jogar às escondidas com a realidade, por isso é tão freqüente confessarmos que não sabemos a quantas andamos, o sonho a puxar de um lado, a realidade a empurrar do outro, em boa verdade a linha reta só existe na geometria, e ainda assim não passa de uma abstracção.” (p. 197)

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