segunda-feira, 29 de abril de 2013

A separação da dor

[The Sleeping Girl. Tamara de Lempicka. Óleo sobre tela, 1930. Stephen Myers -Worth Avenue fine Arts, EUA]

Quantas vezes nos acontece de passar o dia com uma dor de cabeça forte, intensa, latejante, para enfim percebermos que, na verdade, a dor é em um dente, lá num cantinho da boca, e nada mais que isso? É o fenômeno da generalização da dor. Há situações em que é impossível para nosso cérebro detectar o foco exato de dor, seja ela por um corte profundo em uma situação de intenso estresse, em que a necessidade de fugir dali é adaptativa e, portanto, é melhor que não se tenha consciência da dor. Ou, simplesmente, porque a região afetada possui terminações nervosas que contribuem para esta dificuldade (como a dor de dente, por exemplo).

Emocionalmente falando, há outras maneiras de sentir dor de maneira generalizada. Como nas grandes dores do corpo, aqui não entra o tempo lógico; vive-se a dor sem olhar para as horas e o calendário. A vivência da dor pode ser pulsante, talvez repentina, daquelas que "retorcem", pode ficar crônica. Por outro lado, as dores desta natureza não passam com analgesia - às vezes é preciso, sim, anestesiá-las com medicação; porém, a resolução  envolve algo mais similar à fisioterapia: é aos poucos e no sucessivo contato com a própria dor que deixamos de senti-la.

Mais do que superá-la, é através do entendimento da dor (e isso envolve o contato com ela - nem que seja um contato "cirúrgico", cuidadoso, acompanhado, em zona segura) que podemos identificar de onde ela vem. Pois, da mesma maneira que a dor de dente, o espraiamento de uma dor emocional prejudica o discernimento do ponto exato da dor. Sentimos apenas a dor, e que dor!, precisa mais do que isso?? 

Sim. Para que não culpemos vítimas, não sejamos injustos com as outras pessoas e com nossos sentimentos (entrando assim na cadeia multiplicativa da dor), precisamos de uma leve resignação. Aceitar que a dor, sim, está lá; e nos concentrarmos para extraí-la sem maiores efeitos colaterais, tendo a grata surpresa de conferir seu real (e menor) tamanho.

Pílula de Pensamento 6



[Storyboard de Akira Kurosawa]

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"Quem se esmera às vezes cansa."