sábado, 19 de fevereiro de 2011

Aves e Marias


Estou muito envolvida com duas (ou quatro?) mulheres da arte com que tive contato semana passada. Elas me têm afetado tanto que apenas agora consigo colocar em caracteres (e assim organizar as penas da guerra de travesseiros por elas causada em minha mente).
Na Terça, conheci Tiê. Em meia hora, ouvi todas as músicas disponíveis no Youtube. Em mais uma hora e meia, já tinha ido à loja e encomendado o CD. "Sweet Jardim" é um álbum sucinto, singelo e, ao mesmo tempo, de uma sedução quase inocente (ouçam a faixa moulin-rougenesca "Te valorizo": http://www.youtube.com/watch?v=pM_8bCrmwtA&feature=relmfu ). Isso porque ele foi fruto de dois anos vivendo duas "personas", como ela mesma disse: trabalhando de dia com o músico Toquinho e, à noite, em um projeto musical de cabaré.
No Sábado, encontrei Nina, a bailarina interpretada, ou vivida, por Natalie Portman, no filme Cisne Negro ( http://www.youtube.com/watch?v=5jaI1XOB-bs ). Nina tem que encontrar em si mesma um lado reprimido para poder viver dois papeis muito cindidos: Odette, a rainha cisne ingênua e boa, e Odille, a gêmea má. É um trabalho quase que de "metainterpretação", se é que este termo pode existir: a atriz teve que ir ao seu limite para conseguir interpretar uma moça que precisa ir ao seu limite para conseguir interpretar. Assim como também pode ter sido este o tipo de trabalho realizado por Tiê naqueles dois anos antes de poder dar à luz seu primeiro disco.
Os entrelaces continuam. Nos nomes, as chaves: Tiê vem de "sabedoria", em japonês, e do pássaro, o pássaro tiê. Nina, a menina que não sabe ainda o que é ser mulher, toca este aspecto de seu ser quando vestida de pássaro, pássaro negro.
Tiê canta: "Como um brotinho de feijão/ foi que um dia eu nasci/ Despertei, caí no chão/ e com as flores cresci/ E decidi que a vida logo me daria tudo/ Se eu não deixasse que o medo me apagasse no escuro". Nina tem medo, porque o escuro está dentro de todos nós, e ele pode se sobrepor à luz.
Tiê continua: "Quando mamãe olhou pra mim/ ela foi e pensou/ que um nome de passarinho/ me encheria de amor/ Mas passarinho, se não bate a asa, logo pia/ e eu, que tinha um nome diferente, já quis ser Maria". Amor de mãe pode sempre ser amor, mas por vezes é um amor que corta as asas. Não é culpa da mãe, é culpa de Mãe. Voar é perigoso demais pro meu filhote, ao mesmo tempo é tão bom... Sinto falta de voar, mas não posso por causa do meu filhote. Além disso, é o papel da filha ir contra a mãe, achar um caminho próprio, que não necessariamente será melhor do que o que a mãe tentou traçar para ela, mas é um caminho dela. Não é culpa da filha, é culpa de Filha.
Em Cisne Negro, a mãe de Nina é uma bailarina frustrada. Vê a gravidez da filha como o impedimento para a realização de seu sonho de ser reconhecida na profissão. Porém, Nina argumenta que ela já tinha 28 anos, então não dependeria dela o fracasso da mãe, mas sim dela mesma, de sua capacidade. O que ela não questiona é se seu desejo de ser bailarina veio do desejo da mãe, ou de seu desejo de superá-la.
E, nos entremeios disso tudo, estou EU, em uma valsa de cordas, atando-me e desatando-me, buscando os nós que me parecerem pertinentes.