domingo, 24 de fevereiro de 2013

Oscar 2013: O lado bom e/ou negro do humor (Django Livre e O Lado bom da Vida)



Sim, esta noite é o Oscar, e eu fatalmente não consegui assistir a todos os concorrentes antes da cerimônia para poder dar meus palpites com conhecimento de causa. Claro que meu otimismo (ou hipomania, emprestando esse termo psiquiátrico) não era tão grande (mania) a ponto de achar que veria todos os candidatos de todas as categorias (até porque muitos não estrearam no Brasil). Mas pelo menos entre os possíveis vencedores de Melhor Filme, eu gostaria. Mas não.

De qualquer forma, aqui vão os dois últimos candidatos que consegui ver em tempo: "Django Livre", de Quentin Tarantino, e "O Lado Bom da Vida", de David O. Russel. Além de eu ter gostado muito de ambos e, entre os que vi, torcer para um deles ganhar (mesmo apostando em "Argo" ou "Lincoln" pela lógica da coisa), são filmes que chamam a atenção porque um forte motivo em comum para que ambos funcionem muito bem é aquilo que denominamos "química" entre os atores.

Sim, porque além de todos os critérios primeiramente técnicos, um filme também funciona muitas vezes por aquela variável independente, aquela faísca que se forma não pelo friccionar mecânico de dois pauzinhos ou por uma boa escolha angular, e sim por algo que é observável apenas a partir do momento em que passa a existir -  não se pode prever, antecipar ou controlar.

À parte de ótimos roteiros, ótimas construções de diálogos em ambos os casos, Lawrence-Cooper e Foxx-Waltz funcionam (nesse último caso, até no nome a sintonia é praticamente uma mistura sonora). Apesar de toda a tristeza que é intrínseca aos temas (a escravidão, o transtorno mental, a separação forçada de um casal, a não-aceitação de uma separação, a violência, o preconceito, e assim podemos ir desencadeando outros subtemas), apesar de podermos sentir tudo isso nesses filmes, ainda assim somos capazes também de viver um sentimento sublime, que ajuda a amenizar o que dói - o humor. Para a psicanálise, por exemplo, um dos mecanismos de defesa mais elaborados, superior no sentido de que podemos utilizá-lo adequadamente conforme somos capazes. Às vezes voluntário e muitas vezes involuntário, o humor nos ajuda a trazer luzes coloridas aos nossos lados sombrios.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Pílula de Pensamento 5


[London Eye, clicada pela minha prima Carol]

"Tudo se aproveita
quando a alma não é estreita."

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Oscar 2013: As Aventuras de Pi (ou "De onde vem a calma", Los Hermanos)




Um desses filmes de discussão inesgotável, podendo ser explorado sob diversos ângulos, “As Aventuras de Pi”, para mim, já recebe menções sobre a tradução do nome, que poderia ter seguido fiel ao original, sem grandes problemas. “Life of Pi” se aproxima mais ao que, a partir do ângulo que escolhi, de fato se referem as situações/ “aventuras” que o personagem principal – Pi, cuja explicação do nome verdadeiro é um dos momentos divertidos na história – tem de enfrentar.

Explico. Há aqui os componentes necessários para a saga de um herói: perdas, sacrifícios, luta e a redenção. Porém, o filme não fala de um herói – Pi não tem nada a mais do que qualquer um de nós; nem superpoderes, nem inteligência extraordinária, a não ser uma curiosidade algo descomunal por diferentes religiões. Na verdade, o que ele quer entender é como podemos acessar Deus, essa força maior que as religiões tentam explicar por meio de suas histórias. Apenas isso. E não há nada mais anti-herói e mais humano.

E o que seria Richard Parker? Bem, para minha prima caçula, Luiza, o tigre seria “uma parte dele mesmo” – a agressividade, a força, o que é instintual. Ou poderia também representar o equilíbrio necessário em nossas vidas: sem o tigre lhe ameaçando e ao mesmo tempo lhe ocupando o tempo e a mente, Pi sabiamente percebe que não sobreviveria aos 227 dias no meio do mar. Richard Parker poderia, portanto, estar dentro ou fora de Pi. Poderia ser seu lado sombrio e regido pela ódio, ou poderia ser aquele trabalho difícil, aquele recorde a ser superado, aquele tratamento de fertilização.

Ao longo do filme, me pegava pensando que jamais seria uma sobrevivente de um naufrágio. Sério. Não teria a paciência e tranquilidade dosadas com atenção e energia necessários. Jamais, jamais (esse segundo em sotaque francês pra dar mais ênfase) conseguiria. Depois, constatei que “A vida de Pi” (tradução livre, como se dizem) é uma linda metáfora sobre a vida, no melhor estilo oriental que conhecemos. E, sendo assim, posso muito bem ser capaz de enfrentar meus próprios tigres – pois o que realmente importa, o que realmente somos, é independente do percurso que escolhemos, de modo que a nós cabe definir o andamento da própria história.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Oscar 2013: Os Miseráveis



There was a time when men were kind
When their voices were soft
And their words inviting.
There was a time when love was blind
And the world was a song
And the song was exciting.
There was a time ... then it all went wrong
(...)
But the tigers come at night,
With their voices soft as thunder,
As they tear your hope apart
As they turn your dreams to shame

["I dreamed a dream", música de Claude Michel-Schonberg, 
letra em inglês de Herbert Kretzmer]


Para mim, a música-chave de "Os Miseráveis" (mais do que emocionante na interpretação de Anne Hathaway) é como um prelúdio que narra o que acontecerá ao longo do filme. Mais ainda, é uma sinalização do que está por detrás de um enorme sentimento de estranheza que permeou minha sessão, e a qual pude começar a decifrar somente após algum tempo. 

A estranheza que me saltava aos olhos, que me fazia questionar - afinal - que pessoas eram aquelas e por quê elas eram tão diferentes de mim, de nós, consistia na coragem (ali exibida por todos os personagens) em assumir e lutar por aquilo em que se acreditava: um novo curso de vida, uma justiça a ser respeitada, uma outra organização social e política, o nascer dum amor.



Em que parte da História essa coragem se perdeu?



Tenho a impressão de que o próprio filme traz uma ideia. Quando os jovens revolucionários franceses se veem sem o apoio da população e morrem, convictos do ideal de que após eles surjam outros - justificando assim suas mortes - talvez esses outros jamais tenham aberto suas casas, encerrados no que sempre esteve ali, atrás daquelas portas. 

O medo não é o oposto da coragem, e sim a inércia. Talvez, em algum momento ("then it all went wrong"), os riscos tenham sido minimizados. As escolhas passaram a valer menos. À morte coube menos da metade da glória que lhe era concebida e, assim, não havia mais o que bradar, ameaçando aquela que é inevitável.


As revoluções se desenvolvem em silêncio. Porém, quando a hora é indevida e o ato se silencia de modo prematuro, elas são consumidas pela própria energia. Implodem.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Ele de novo (o amor)



[arte de Christiane Vleugels]

Só porque o coração é o primeiro órgão que indica ao médico que estamos vivos - que existimos - na barriga da mãe, não quer dizer que seja fácil lidar com ele. Na verdade, muitas vezes é difícil entender o que ele quer dizer quando acelera ao encontrarmos aquela pessoa, e ainda mais duro decifrar aquele aperto que ele dá quando dizemos adeus.


Como o entendimento "consciente" só se dá quando adquirimos o mínimo de linguagem necessário para traduzir sensações em palavras, imagino como foi a primeira vez que sentimos um prazer tamanho que balançou nosso coração. Provavelmente foi lá atrás, num colo do pai ou abraçando a mãe, e na ocasião só pudemos babar ou, até, molhar as fraldinhas de emoção.

Mas, se até a vida adulta, identificar e falar dos sentimentos é higher level para qualquer ser humano, penso cá com meus botões sobre a diferença de pesos e medidas entre homens e mulheres nesse quesito.

Para nós, de certo modo é mais fácil: aquela velha história de que à menina é autorizado chorar, ser "manteiga derretida" (com esse mundo light, nem isso podemos ser, no máximo nos é autorizado ser uma Becel derretida). O homem, esse não chora. Bom, se não chora, faz o quê, então?

Duvido que muitas pessoas indagaram a continuação desse dito popular tão plutocrático. Faz o quê, se não chora mas está triste, se quer um colo, se a dor no peito está insuportável, ainda mais no calar da noite?

Recalca. Ignora. Nega. Verbos que, por si só, deixam claro o crime que é dizer que "homem não chora". Então, a saída é adoecer. É errar e só conseguir perceber que se perdeu depois que a ponte atrás já se desfez.

E, por essa enorme falha no cultivo dos sentimentos masculinos, eles tampouco sabem como agir frente a algo que lhes provoque um mínimo de dor. É mais fácil sair de cena, partir, ir embora: essa é a escolha-padrão desde os tempos das cavernas.
E aí... aí vem a Becel.