segunda-feira, 14 de maio de 2012

De que é feita a beleza




Há quem diga que mulheres bonitas possuem uma maldição, que é a própria beleza. E esta, difícil de explicar, poderia ao menos ser compreendida dentro de um quê de mistério, sensualidade e volúpia - tudo isso "sin perder la ternura", que para o homem-filho é essencial. Soma-se também um componente essencial, que é a fagulha de vulnerabilidade, nem de mais, nem de menos, às vezes fisgada apenas num breve olhar.


Também se pode pensar que, para ser bonita, é preciso um mínimo de auto-conhecimento (pois só quem se conhece minimamente sabe o ângulo, o lugar, o músculo a ser contraído naquele exato momento, para ser bonita. Sim, beleza não é apenas um estado de graça, é também um estado de esforço consciente). Mas será possível ser igualmente bela sem nada saber de si? Talvez na posição mais extrema, que é aquela em se está tomada pela loucura. Nesse caso, a beleza subverte os requisitos triviais e assume outros, inexplicáveis pela lógica.



Acabei de assistir ao "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios", adaptação de Beto Brant da obra literária de Marçal Aquino. Livro, aliás, que para mim tem um valor especial, dado que há (muitos) anos eu penso em ler, mas que, de fato, sempre ficou na via do pensamento. Talvez nao fosse a hora. No filme, Camila Pitanga é Lavínia, personagem que dá o tom da trama e, obviamente, dona dos "lindos lábios" do título. Esposa de um pastor numa comunidade predominantemente indígena no norte do país, Lavínia traz consigo o passado carregado de dores, experiências dúbias, decepções. Nada tão diferente do que acontece com outras mulheres belas na vida real; o risco de serem alvos de "farejadores de vulnerabilidade" é potencialmente semelhante ao risco de serem alvos de um amor intenso. E, mais complicado ainda, ambas as condições podem andar de mãos dadas.



No caso da personagem central do "Eu receberia...", a vulnerabilidade é ainda maior, posto que as experiências anteriores, de infância, fizeram marcas férreas na construção dos significados daquilo que é essencialmente humano, como a identidade própria e a sexualidade. Lavínia possui uma fileira de tijolos de gesso nas paredes de seu eu; um abalo sísmico, uma tempestade, até a iminência de um choque pode arruinar uma estrutura sustentada até então pela sorte.



Até o final do filme, não sabemos em que caixinhas Lavínia arquivava seus relacionamentos. E, por conseguinte, não sabemos quais serão suas reações frente às condições que ela mesma cria, ou que lhe são impostas (ou propostas?), pelo contexto em que vive. Reside aí o mistério, aquele necessário à beleza que comentamos no início do texto. A sensualidade e a volúpia, outros quesitos mencionados, são os maiores demônios da personagem, aqueles que ela não domina até o final, a não ser às custas de si mesma. E a ternura? A ternura é provavelmente o que não se perdeu e o que a manteve viva, apesar das baixas decorrentes de sua guerra interior.