quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Elela (ou Elele)


[Imagem: Joan Miró, "O belo pássaro revelando o desconhecido a um par de amantes" 45,7x38 cm, 1941]


Ele nasceu de parto normal. Ela, de cesárea. Ele falou "mamãe" aos dez meses. Ela, "papai" aos nove. Ele brincava com os amiguinhos do prédio. Ela, com os imaginários. Ele queria ter a barba do papai. Ela pedia barbie pra mamãe. Ele só gostava do recreio. Ela, da aula de desenho. Ele aprendeu a ler aos sete. Ela, aos três e meio. Ele beijou uma coleguinha no escorregador. Ela esperava seu príncipe no balanço. Ele repetiu de ano na quarta série. Ela foi aprovada com louvor. Ele tomou um porre. Ela ganhou um perro. Ele estourou uma bomba no banheiro e foi expulso. Ela ganhou uma bolsa de estudos. Ele fez karatê, pra extravasar a energia. Ela, natação pra acompanhar as amigas (e ver os rapazes do colegial). Ele foi trabalhar com o pai. Ela fez intercâmbio na Europa. Ele conheceu prostitutas da Augusta. Ela namorou um italiano. Ele aprendeu a dirigir um carro. Ela era a favor da bicicleta. Ele conheceu um bom amigo. Ela foi pra faculdade. Ele foi fazer teatro. Ela já fazia. Ele. Ela. Ela pensou: interessante. Ele: bem gata. Ela foi pra direita. Ele não ia, mas foi. Ela pediu um chá gelado. Ele, um chope uruguaio. Ela gostava de piano. Ele, de violão. Ela ouvia bossa nova. Ele, rock antigo. Ela mordia o canudo pra beber. Ele detonava o copo em três goles. Ela evitava gordura trans. Ele, legumes no vapor. Ela tinha ansiedade. Ele, insônia. Ela beijava de olhos abertos. Ele lhe puxava os cabelos. Ela morava mais perto. Ele não tinha hora pra chegar. Ela preferia ficar em cima. Ele, em baixo. Ela se despedia com beijinhos. Ele, com um beijão.