[Crédito da foto: Miles Aldridge, "Dreamy" para Vogue Itália, 2009. www.milesaldridge.com]
Cá me encontro, ou desencontro (de mim mesma). Muitas
tarefas me aguardam. Parte delas habitualmente exige de mim um certo esforço
para levar a cabo, considerando que são protocolares e exigem um raciocínio
concentrado constante, no qual me vejo tolhendo minha criatividade, pois ela
não cabe ali. Porém, sempre me foi prazeroso o momento do fim, mesmo dessas
tarefas protocolares, aquele parágrafo final que vem junto com o pensamento
“Ficou bom! Terminei!” – este geralmente acompanhado de uma expressão como “At
last!”, “Graças a Deus!”, ou qualquer outra referência moderna de “Parla!” ou
“Heureca!” – com tanta gente no mundo e tantas coisas já descobertas, nossos
grandes passos são menores do que os de nossos antepassados.
O problema é que ultimamente mesmo estas engatinhadas me
são raras. Coisas para fazer não faltam, e nos últimos tempos me flagro pegando
desvios para fazer tudo, menos o que prenda demais minha concentração – parto
pras atividades “mão na massa” ou, poderia dizer, “corpo em movimento”: coleta
de dados do mestrado, entrevistas, trabalhos manuais, culinária (é tão
terapêutico cortar legumes!), academia. Academia mesmo; nunca na
história desse corpo que me pertence fiz render tanto a mensalidade salgada da
academia que frequento. Em suma, tudo que eu possa fazer sem ter que deixar de
lado o alvo principal dos meus pensamentos: uma nova paixão. Um enamoramento,
como penso ser mais bonito dizer.
Paixões, todo mundo que teve já sabe, são como um agente
infeccioso que invade nosso organismo e exige que ele trabalhe a todo vapor a
fim de dar conta de suas exigências; seja por meio de uma febre literal, seja
através de outras maneiras de aliviar um pouco a tensão provocada quando seu
corpo está habitado por outro ser vivo além de você. Porque, assim como acontece
na invasão das bactérias, fungos e outros microorganismos, quando estamos
apaixonados é como se o objeto da paixão estivesse constantemente nos
habitando. E é por isso que, no meu caso, esse ser alienígena que se encontra em minhas
entranhas me impede de cumprir com (pelo menos algumas) obrigações
profissionais.
Quero esclarecer: meu hiperego não foi dar uma volta na
praia, a ponto do ego abrir as asinhas e ficar negligente com meu trabalho. É
só que minha energia, minha libido no sentido junguiano, não está tão
direcionada para esses propósitos. A verdade é que ela esteve neste setor de
investimento – a carreira –, quase que exclusivamente, durante dois anos: neste
período, nenhum corpo estranho me invadiu dessa maneira. Nesse intervalo
cronológico, nenhuma paixão foi tão grande a ponto de libertar meus olhos do
princípio de realidade, deixando-me nas mãos do prazer e distorcendo o que é
objetivo, alargando a importância de uma música ou de um gesto, reduzindo à
menor potência (existe potência zero?) a relevância das notícias do jornal. Mensalão quem?
Mensalão pra mim é o tempo não-cronológico, aquele interno, quando um par de
dias sem notícias é tão insuportável quanto um grande mês, um mensalão.
Há outros sintomas: sinto prazer, sinto raiva, sinto
euforia. Sinto uma felicidade boa, daquele tipo que o personagem de Will Smith
define tão bem em “À Procura da Felicidade”. Fico insegura e tento ignorar
minhas projeções, mas no fim do dia tenho pesadelos com tudo que era pra ficar embaixo do tapete. Tento colocar tudo em seu devido lugar, devolver-lhes as
proporções originais. Mas aí vem a infecção e transfigura tudo novamente.
Como já nos dizem os cientistas, a paixão (assim como os processos infecciosos) não
dura muito tempo, pois não somos programados para viver nessa
“inconstância constante”; não resistiríamos a tamanha bagunça, que nos tira a
ordem das coisas. É aí que a paixão beira a loucura, como já nos dizem os
poetas.
Não sei se eu preciso me curar para entender o mensalão,
já que no fim ele mesmo tem como pano de fundo outras paixões humanas. O que
sei é que escrever sobre esse enamoramento é meu remédio, me devolve, ainda que
ilusoriamente, a consciência e o controle. E, até a outra dose prescrita, volto para
minhas tarefas.