domingo, 18 de dezembro de 2011

"Um Dia"


Difícil escrever sobre "Um dia", de David Nicholls, fazendo qualquer análise imparcial: seria o mesmo que escrever sobre um namorado novo sem deixar escapar um elogio sequer. O livro me prendeu da primeira página à ultima, e me manteve assim ao longo de alguns trechos relidos, e depois mais trechos, até que reli o livro inteiro, e alguns trechos mais de duas vezes. Paixão pura. É um livro para ler na praia, em casa, no metrô...
Alias, ontem li um comentário da Adriana Falcão na revista Vogue, dizendo que comprou o livro no aeroporto para ler durante um voo longo. Como todos, amou o livro; mas no capitulo 18, ao inves de chorar, sentiu raiva da decisão do autor pelo rumo da história. Bom, o que quero aqui é tentar entender, pelo ponto de vista de Jung, a escolha de Nicholls para este final.

Dexter Mayhew e Emma Morley são dois amigos, ela apaixonada por ele, ele sem se perceber apaixonado por ela. Vemos os dois a cada dia 15 de julho, às vezes juntos, às vezes separados, por 20 capítulos-anos. Os dois se conheceram na faculdade, e a partir da formatura cada um escreve seu caminho, por vezes muito diferentes entre si, porém mantêm o laço afetivo.

Jung criou os conceitos de "animus" e "anima", que representam nossos aspectos masculinos e femininos, respectivamente, e que estão ambos presentes em todos os homens e mulheres. Eles precisariam estar balanceados dentro de nós e, quando por algum motivo estivéssemos negligenciado um desses pontos, deveríamos nos atentar para seu significado. Esses alertas poderiam vir em forma de sonhos - por exemplo, as necessidades negligenciadas da anima viriam personificadas em uma figura feminina fragilizada.

Dos seus 20 e poucos aos quase 40 anos, vemos Dexter, com mais recursos financeiros, gastar tempo em viagens, namoradas e drogas, vivendo apenas para o presente. Naturalmente, sua carreira acaba sendo igualmente intensa e efêmera, em um programa de tv. Sabe fazer o papel de um jovem belo, rico e charmoso, mas não o papel de filho ao se deparar com uma mãe adoecida, e mais pra frente, repete o mesmo fracasso como pai de família. Ele representa as características do animus, arquétipo do masculino, com a impulsividade, a racionalidade imediatista necessária para a sobrevivência, mas que precisa ser equilibrado com outras características da anima.

Assim, acompanhamos Emma tendo que batalhar desde que pegou o diploma, vendo a poeira e o ketchup do restaurante mexicano em que trabalhava lambuzar sobre os sonhos que carregava desde a faculdade. Isso até se cansar, buscar uma profissão que mais se aproximasse de seus desejos, e finalmente começar a vislumbrar seu próprio caminho e ser reconhecida por seu esforço e talento. No caso, pode-se encontrar facetas da anima, como a sensibilidade e a temperança, o cuidado para com os seus e o recolhimento, e que apenas quando ela pôde ser mais "agressiva" pôde arriscar, se mostrar, e enfim conseguir realizar seu sonho.

Os caminhos de Dex e Em parecem sempre compensatórios: enquanto um inicia a vida adulta prorrogando os deveres e planejamentos a longo prazo, a outra precisa plantar as sementes para depois poder colhe-las com tranqüilidade. É como se houvesse uma balança entre os dois, e em um dado momento, os pesos invertessem.

Para Jung, há forças que se compensam e nos levam a uma homeostase, um equilíbrio. Para isso, teríamos que lidar com nossos desbalanços, que fazem parte da vida. Porém, o equilíbrio definitivo seria impossível; o que importa é o movimento que nos guia ao longo da vida em favor desse equilíbrio. A situação final (e ideal) seria conquistar a individuação, termo que ele usou para nomear a situação hipotética em que, grosso modo, estivéssemos totalmente conhecedores de nós mesmos e com nossos aspectos conscientes e inconscientes em harmonia. Algo como um nirvana eterno (até porque, Jung se interessava e estudou muito a filosofia oriental, presente em sua teoria).
Portanto, enquanto vivos, não poderíamos atingir este estágio. Assim, no momento em que anima e animus alcançassem seu balanço perfeito, ambos deixariam de existir como entidades distintas, restando o que está individuado. Um único ser.

Até que chegamos perto do aguardado capitulo 18, no qual vemos Emma e Dexter mais parecidos, mais próximos, e em uma situação que ela define como "não alegre, mas feliz", em que a serenidade contava mais do que a intensidade das emoções. Um equilíbrio, enfim, entre os dois símbolos do feminino e do masculino, personificados nas personagens, e que bem poderia representar o estágio da individuação. Mas a individuação, como já dito, não é humanamente alcançável: enquanto estivermos no percurso da vida, não podemos alcançá-la. E é talvez por isso que, a partir daquele momento, inevitavelmente, os dois tivessem que viver apenas dentro de uma pessoa só - um indivíduo, e não mais como Dex e Em, Em e Dex.



PS: se em um livro já é difícil sintetizar 20 anos de vida, imagine num filme. Então, se estiver na dúvida, aproveite as férias e esqueça a preguiça: leia o livro. E desculpe se minha tentativa de ser sutil sobre a história não foi tão sutil assim.