terça-feira, 24 de março de 2009

Single Ladies and Misses Independent


All the single ladies
Now put your hands up
Up in the club, we just broke up
I'm doing my own little thing
(...)
Ya can't be mad at me
Cuz if you liked it then you should have put a ring on it (Beyoncé, All the single ladies)


Não, eu não gosto nem um pouco dessa música da Beyoncé (aliás, muitas vezes me pergunto por que ela não assume inteiramente sua veia de compositora de baladas, como "Irreplaceable" e "If I were a boy", e não dessas músicas dançantes em ela já admitiu não serem suas preferidas e nas quais ela me dá um certo medo quando dança. Mas eu sei que essa cisma é minha, eu, que sou na verdade bem blasèe no que se refere a micaretas e qualquer tipo de agitação demasiada, pelo menos na maior parte do tempo. Mas voltemos ao "Não, eu não gosto nem um pouco dessa música da Beyoncé"). A questão é que ultimamente tenho pensado muito nas músicas atuais, mais do que de costume. Não só pensando, mas tentando compreender o por quê de elas terem sido 'fisgadas' do mundo das ideias justamente no tempo e no espaço em que se inserem, que motivações maiores estão por detrás desse suposto pseudo-acaso.


Tentando dar outro sentido talvez menos filosófico-platônico, o que quero dizer é que, sabendo que artistas são aqueles que conseguem expressar não apenas o que está dentro deles, mas também passam para o registro do concreto e sensível (i.e., que se sente, que diz respeito aos sentidos) o peso do ambiente sobre nós, então as letras das músicas são uma amostra da expressão artística do movimento do mundo. Ok, ok, talvez essa minha explicação continue tão intangível quanto a de cima. O que quero dizer, sem delongas, é que as músicas não surgem nem determinada época à toa, elas têm um sentido de ser e estar naquele momento específico -e, ainda mais do que estarem, permanecerem, como é o caso das canções imortais, que quebram as leis do tempo e do espaço, da finitude e do ciclo vital, obedecendo a um outro tipo de ordem. Sobre elas, aliás, procuro ter fé de que algumas músicas dos dias de hoje possam, mais pra frente, receber esse título -mas, infelizmente, nem sempre sou tão otimista. O que me conforta é que não estarei aqui pra confirmar ou refutar minhas esperanças.


Mas, pela segunda vez, voltando à frase "Não, eu não gosto nem um pouco dessa música da Beyoncé". Realmente não gosto, mas alguma coisa ela mostra sobre nós, habitantes de metrópoles. Comecei a pensar nisso justamente no metrô, onde me deparo, quase todo dia, com aquilo que já conhecemos: gente empurrando, xingando, passando pelo outro como se ele fosse de outra dimensão e o corpo não estivesse realmente presente ali - hologramas tipo reunião de cúpula do Star Wars, saca?


Nisso tudo, o que mais me incomoda muito são os homens: eles perderam o pouco que se considera adaptável do pensamento medieval, ou seja, o cavalheirismo. Fico achando que, se houvesse uma tragédia tipo Titanic hoje em dia, ninguém ia se lembrar de dizer "Mulheres e crianças primeiro!", há!, doce ilusão. É cada um por si mes-mo. Os barcos iam ficar lotados de trogloditas que não poderiam perpetuar a espécie entre si.



Freud, Darwin, feministas, alguém poderia me explicar por quê o cavalheirismo está com os dias contados???
PS: E ainda me vem um Ne-Yo da vida e faz uma música desse naipe:
‘Cause she work like a boss
Play like a boss
Car and the crib she ’bout to pay ‘em both off
And bills are payed on time, yeah
She made for a boss
Slowly a boss
Anything less she telling them to get lost
That’s the girl that’s on my mind

She got her own thing
That’s why I love her
Miss independent
Won’t you come and spend a little time (Ne-Yo, Miss Independent)

Menina veneno - uma análise


Meia-noite no meu quarto, ela vai subir
ouço passos na escada, vejo a porta abrir
um abajur cor de carne, um lençol azul
cortinas de seda, o seu corpo nu


Menina veneno, o mundo é pequeno para nós dois
em toda cama que eu durmo
só dá você


Seus olhos verdes no espelho brilham para mim
seu corpo inteiro é um prazer
do princípio ao fim
Sozinho no meu quarto
eu acordo sem você
fico falando pras paredes
até anoitecer


Menina veneno, você tem um jeito sereno de ser
em toda noite no meu quarto
vem me entorpecer
me entorpecer


Meia-noite no meu quarto
ela vai surgir
eu ouço passos na escada
eu vejo a porta abrir
Você vem não sei de onde
eu sei, vem me amar
eu nem sei qual seu nome
mas nem preciso chamar


Menina veneno, o mundo é pequeno

demais pra nós dois
em toda noite no meu quarto
vem me entorpecer
me entorpecer
Menina veneno ... (Ritchie)



O que a gente primeiro percebe na música uma é exacerbação da sensualidade, ou seja, do que é impresso através das sensações e dos sentidos: audição ("ouço passos na escada / ela vai subir"), visão ("vejo a porta abrir", "seus olhos verdes no espelho brilham para mim"), tato ("cortinas de seda"), olfato e paladar, por vezes implícitos ou gerais ("seu corpo inteiro é um prazer"), que fazem com que o ouvinte crie imagens cinestésicas ao longo da música, culminando em um cessar do sensual para dar lugar ao entorpecimento ("toda noite no meu quarto / vem me entorpecer"), ou seja, o cessar dos sentidos, representando o ápice sexual. Este uso do cinestésico deixa transparecer um sutil caráter simbolista da música, já anunciado pelo uso de aliterações ("menina veneno", "cor de carne", "lençol azul"), que também auxiliam na cadência da música.

Com relação à narrativa, observa-se que a primeira estrofe fala da expectativa da chegada da "menina veneno" ao quarto; a segunda introduz a "menina" e a descreve como um convite sexual; a terceira fala do desfecho do encontro, em que ela se vai; e a quarta traz o prólogo, em que subentende-se que ela vai retornar (tanto que o início da estrofe é semelhante ao início da primeira estrofe), caracterizando o enredo circular da música, também indicado pela constância da bateria, sem circunvoluções ou reviravoltas.

A menina veneno é objeto de prazer para o eu-lírico, e sua real identidade realmente não importa ("você vem não sei de onde", "eu nem sei qual seu nome"), indicando um certo distanciamento afetivo entre os dois. Tal jogo erótico parece ser consentido e acordado entre eles, o que não necessariamente implica que ambos compartilhem o prazer: em nenhum momento pode-se ter certeza de que ela compartilha o arrebatamento sentido e descrito pelo eu-lírico (ela chega a deixá-lo durante a noite: "sozinho no meu quarto / eu acordo sem você").


***


Leitores mais críticos ou atentos provavelmente estão se perguntando que raios de postagem é essa, com uma análise musical e literária de uma música que, de tão bem que funcionou, virou kitsch (Adendo: como conta Milan Kundera, a origem do kitsch tinha a ver com negar a merda, ou seja, negar o que é humano. O kitsch era algo sublime, um ideal estético. Para ele, "antes de sermos esquecidos, seremos transformados em kitsch. O kitsch é a estação intermediária entre o ser e o esquecimento". E, em alemão, kitsch significa pura e simplesmente lixo).
Na verdade, aqui não há nenhum motivo implícito para que eu tenha feito tal análise; foi um favor, um convite aceito, um agrado, um prazer -na verdade, um trabalho de faculdade que não é meu... Venho, sim, pensando no significado das músicas e estou trabalhando numa postagem a respeito (próximos capítulos...). Quanta coisa! Mas vale levantar a questão: por que será que essa música toca as pessoas, de um jeito ou de outro? Quem não a conhece, pelo menos no refrão, de cor e salteado? Fazendo essa análise, passei a olhá-la sob um novo olhar, mais respeitoso e compreensivo (pelo menos um pouco). Porque dela se despreendem chamarizes do que nos é instintual; e é isso que faz a "menina veneno" um torpor que não vê sexo -muito menos escolha sexual.

segunda-feira, 9 de março de 2009

O seu, o meu, o nosso

Há algum tempo (quase dois meses), li uma entrevista na revista Marie Claire (que, aliás, é minha preferida das revistas femininas) que me chamou a atenção não apenas pelo título, um pouco excêntrico, mas também pelo conteúdo que trazia o entrevistado: ele é Silvio Meira, um futurólogo -sim, sei que continua parecendo excêntrico – que pode, seguindo a lógica de seu trabalho, cujos temas abrangem desenvolvimento científico e constante atualização da tecnologia, traçar algumas previsões acerca do futuro da humanidade. É aí que, lendo o que ele diz, percebemos que não há nenhum traço de excentricidade ou esoterismo à la Paulo Coelho (por mais que até a fotografia do entrevistado sugira uma relação com o homem que geralmente usa blusas preta de manga longa): pelo contrário, são potencialidades de que não podemos, por mais que tentemos como peneira contra o sol ou, atualizando a expressão, um enorme buraco na camada de ozônio, nos esconder.
O por quê de ruminar essa entrevista desde então? Provavelmente porque não consigo deixar de pensar nos problemas do mundo, propagados cada vez mais pelos meios de comunicação mas que, besteiradas à parte, são realmente importantes. Num workshop sobre Psicologia Organizacional que vi há um ano, uma professora disse, despretensiosamente, que, assim como a bandeira dos hippies era a revolução sexual, a flâmula a ser erguida pela nossa geração é a da conscientização ambiental. Esta frase, bem, já deixei de ruminar, talvez esteja agora tentando encaixá-la em minha vida cada vez mais.

Sugiro, obviamente, a entrevista completa (feita por Milly Lacombe, com foto de Léo Caldas), na MC 214. Mas, de qualquer forma, propago aqui trechos das informações trazidas por este homem, que é futurólogo, consultor da ONU, pai de três filhos e, mais do que isso, um co-habitante de nosso planeta que é sensível o suficiente para perceber que há algo de errado e otimista o suficiente para acreditar que possamos consertar o estrago.

Marie Claire – Em um artigo publicado na revista “Wired” e assinado pelo renomado cientista americano Billy Joy, cofundador da Sun Microsystems, um dos cenários possíveis é o do futuro totalmente dominado pelas máquinas. Como isso seria possível?
Silvio Meira – Dou um exemplo. Num mundo ideal seremos servidos por máquinas inteligentes que nos levarão de um ponto a outro por capacidade própria. Mas imagina essa situação: Milly e Silvio querem ir para o hotel X e os carros se recusam a levá-los. Esse é o risco sobre o qual Joy falou no polêmico artigo “Por que o futuro não precisa da gente” (...) Nesse cenário de Joy, existe uma elite que vai dominar a máquina e controlar você. Essa elite se chama programadores (...). Dentro de 15, 20, 30 anos, se você não souber programar, estará alienado da sociedade. Será como o analfabeto hoje. (...)

MC – Ficaremos a cada dia mais escravos do sistema?
SM – Você navega na internet, ou usa o cartão de crédito ou de débito, ou usa o Sem Parar nas estradas... Tudo o que você faz começa a ficar registrado no sistema. Resultado: daqui a 10, 15 anos, o sistema terá uma pirâmide de informação a seu respeito, o que você gosta de fazer sexta à noite, onde compra comida etc. (...). Por exemplo: o sistema identifica que Silvio Meira está, por motivos diversos, dentro de nível de risco de cirrose elevado e que, se ele contrair a doença, custará muito caro à instituição. Então, o sistema determina que ele só pode tomar duas doses de whisky por noite. Eu vou a um bar, peço a terceira dose e o garçom me diz que eu não posso mais. Se o sistema registrar absolutamente tudo sobre você, sem nunca esquecer nada, eu não vou poder tomar a terceira dose.

MC – Daqui a 20 anos, como será a vida de uma mulher de classe média, casada, com filhos, que trabalha fora?
SM – (...) Não tem a empregada e a lista do supermercado básica será entregue sem a necessidade de fazer o pedido, que já estará registrado, regularmente. Os alimentos já virão semiprontos (...) A escola das crianças será em tempo integral e muito perto de casa, e ela não vai precisar levar nem buscar as crianças (...) Uma leitura rápida de você, pela digital ou pelo olho, vai dizer quantos créditos ainda tem para comprar determinado serviço no ponto de venda que você está (...) O documento irá morrer: você será seu documento. (...) Para uma reunião de trabalho, ela não precisará estar fisicamente presente. Sua presença se dará de outra forma: o virtual dela, um avatar. (...)

MC – Seremos pessoas mais isoladas?
SM – Quantas horas você perde por dia dentro do carro no trânsito indo e vindo? Três, quatro? Imagina recuperar isso? Você pode ir para o clube, visitar amigos, fazer jantares na sua casa, ver a família todos os dias. (...)

MC – E como a tecnologia pode ajudar [a garantir que haja futuro]?
SM – Diminuindo o movimento de pessoas pelo planeta em, por exemplo, viagens de negócios, idas e vindas do trabalho etc, que é um dos maiores motivos da carga de aquecimento térmico (...). Identificando-se todas as embalagens e informatizando o planeta de tal maneira que é possível ir atrás de uma empresa que produz sabonete e dizer: “Escuta, 70% de suas embalagens estão espalhadas por aí como lixo. Seu custo ambiental por essa é tanto”. Nesse caso, ou a empresa faz uma embalagem que se degenere sozinha, ou recupera as embalagens perdidas, ou treina seus funcionários e clientes para recuperá-las. O responsável pelo destino final da embalagem passa a ser quem a produz. É a era da responsabilidade (...). Olha em volta, o futuro já chegou.