quarta-feira, 30 de abril de 2008

Sex and The Sims


Li no UOL que pesquisa do Datafolha (http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u393902.shtml) mostrou que quatro em cada dez filhos não foram planejados, sem contar os casos de aborto. É um dado interessante pra viajar.

Imagine sua salinha da pré-escola: dos seus 20 coleguinhas, oito não tiveram um esboço antes da arte-final. Na linguagem psicanalítica, não foram "bebês fantasmáticos", ou seja, não viveram primeiro na imaginação da mãe e do pai, não foram concebidos pelos desejos e pelas fantasias dos progenitores antes de vir ao mundo real (/ virtual?). Mais estranho ainda pensar se você faz parte dessa turma dos oito.

Indo pra faculdade, então: dos 60 colegas da sala, 24 também não foram rascunhados. É bastante gente. Imagine a sala sem eles.

Imagine um estádio de futebol sem esses 40%.

Imagine o Brasil.

Imagine a China.

Imagine o mundo.

Como é que seria? É fato de outras pesquisas -e do senso-comum também - que a criança planejada tende a ter maior cuidado e estrutura pra ser recebida, tem uma vivência inicial de vida (vulgo infância) mais feliz e, se tudo der certo, tem base para poder transmitir este exemplo pra sua prole.

Não deixo de lembrar de um cara interessante chamado Donald Winnicott que falava que a conduta anti-social era uma forma da criança ou do adolescente reivindicar algo que lhe foi roubado. No senso-comum, é o tal do "querer chamar atenção". Cada vez que penso nisso, mais acho que o Winnie tinha razão.

Eu, sinceramente, muitas vezes sou a favor da qualidade em prol da quantidade. Acho que controlar e criar filhos não é fácil como no The Sims -e olha que lá nem sempre é fácil também (tente criar gêmeos sem sofrer ameaça da assistente social de vir buscá-los porque você não os alimentou de madrugada).

Não que reduzir o planeta em 60% da "carga" atual seja a solução final para todos os nossos problemas.

sábado, 26 de abril de 2008

Mais fácil aprender japonês em braile (ou confissões)

Essa semana aconteceu algo diferente comigo (na verdade, se a gente ficar atento, vai ver que todo dia acontece algo diferente com a gente, é só ter essa expectativa -e perspectiva). Eu entrei no ônibus 118C Santa Cecília, como faço três vezes por semana. Fui pro fundo do busão, e tinha um carinha sentado e sorrindo pra mim. Na verdade, achei ele um pouco estranho na hora, por um átimo de segundo confesso que tive medo -o que é normal de sentir no transporte público. Mas aí senti que era um sorriso simpático, genuíno. Então fiquei parada ao seu lado. Ele logo estendeu as mãos, se oferecendo para carregar minhas coisas. Entreguei minha pasta e agradeci, distraída. Passam alguns segundos, e ele começa a fazer uns ruídos meio alto: "Uhn- ahn-ãohn?". Pensei que ele tinha algum déficit mental. Ele então começou a fazer gestos, puxar os olhos e depois escreveu com o dedo na minha pasta: 'Japão'. Entendi, respondi que era descendente de japoneses. Foi aí que entendi que ele era surdo-mudo.

Daí até o ponto que desço, fomos nos comunicando: ele perguntou se eu tinha namorado e por quê não; perguntou se eu morava por ali e contou onde morava; perguntou se eu tinha orkut (essa foi difícil de entender!) e disse que tinha. Ele estava acompanhado de uma amiga também surdo-muda, e de vez em quando eles se falavam por gestos. Senti que o pessoal do ônibus estava interessado no papo que rolava entre nós, mas ninguém falou nada, e eu também sou tímida o suficiente para não ter olhado pra ninguém. Chegamos ao ponto do metrô, muita gente saiu, a porta se fechou. De repente, os dois, a amiga e ele, saíram correndo e gritando coisas 'ininteligíveis' (?) ao cobrador, que mal olhava para eles. Eu também não estava entendendo muito bem, estava confusa assim como todo mundo, até que uma senhora gritou: "Pelo amor de Deus, gente, abre a porta, eles querem descer!". A porta se abriu, e eles nem souberam que foi a mulher quem os ajudou -porque ela não estava em seu alcance visual.

Confesso que me senti realmente mal por não ter entendido o que eles queriam, nem podido assim ajudar. Mas acho que esse meu sentimento veio principalmente porque, de alguma forma, me senti na obrigação de retribuir a alguém que me ajudou não só a carregar meus pertences, mas também me fez ver que, muita vezes, os surdos e mudos somos nós -nós, os do "lado de cá".
E que raios de comunicação é essa, truncada ou inexistente, que muitas vezes preferimos estabelecer com o outro? Só não se comunica quem não quer. E quem quer? Não está fácil pra ninguém, mas às vezes o lado que tem mais dificuldades é o que persevera.

sábado, 12 de abril de 2008

de onde vêm as coisas


[Imagem: "Ninféias", Claude Monet, óleo sobre tela, 130x200cm, ano?]


Hoje minha cabeça está bem bagunçada. Não sei direito o que fazer. Voltei de um belo passeio de barco, num lago que circunda minha casa. Estava frio, e o nevoeiro já estava cobrindo as plantas e o animais, prenunciando perigo pros que ali não pertencem. Não lembro por quê estava ali. Caí no lago. Não devia ter brincado com forças maiores do que as minhas que, aliás, são tão precárias neste momento.


O céu está vermelho. Isso é estranho, mas me dá uma sensação de calor que ajuda a aquecer meu pobre corpo, ensopado com água doce, a roupa coberta por musgo e ninféias. Sinto que alguém está por perto e que vai me agarrar pelas costas a qualquer instante. Pra isso, guardo dentro do peito um grito terrível, caso tal iminência deixe de sê-lo e se torne ato.


Corro. O ar gelado corta meus pulmões e bloqueia a passagem de meu grito.


De repente, estaciono. Meu corpo se desequilibra por não acompanhar a velocidade de meus pensamentos, e caio. Estacionei porque o sentido de correr simplesmente saiu de minha lógica, da ordem que sigo de dentro de mim. Pra quê, mesmo?


Os músculos tremem. Sinto os pés se torcendo por causa do esforço e do frio. Tento urrar de dor, mas não consigo. Me deixo deitar no chão, dobrado, com as mãos nos pés. Não há outra coisa a fazer além de chorar.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Mulher Narcísica

"Se perguntar a alguém quem sou
ouvirá mais de mil definições
escolha a que mais lhe interessou
e ela não lhe causará decepções.

Me veja como santa, como ré
me veja sonsa, sóbria, sagaz
pois eu me faço ver como quiser
e de tantos outros truques sou capaz.

Posso te enganar, te iludir
apunhalar seu coração sem prévio aviso
posso chorar e até te agredir
mas sempre ter no bolso um bom sorriso.

Pois quem sou só Freud explica
com um termo bem peculiar:
ele me chama Mulher Narcísica,
que só a si mesma sabe amar.

Mas não julgue o que não pode conhecer
não caia em ciladas -só nas minhas-
pois o destino desta mulher é padecer
do constante temor de estar sozinha."

(poema de julho de 2005)