sábado, 26 de abril de 2008

Mais fácil aprender japonês em braile (ou confissões)

Essa semana aconteceu algo diferente comigo (na verdade, se a gente ficar atento, vai ver que todo dia acontece algo diferente com a gente, é só ter essa expectativa -e perspectiva). Eu entrei no ônibus 118C Santa Cecília, como faço três vezes por semana. Fui pro fundo do busão, e tinha um carinha sentado e sorrindo pra mim. Na verdade, achei ele um pouco estranho na hora, por um átimo de segundo confesso que tive medo -o que é normal de sentir no transporte público. Mas aí senti que era um sorriso simpático, genuíno. Então fiquei parada ao seu lado. Ele logo estendeu as mãos, se oferecendo para carregar minhas coisas. Entreguei minha pasta e agradeci, distraída. Passam alguns segundos, e ele começa a fazer uns ruídos meio alto: "Uhn- ahn-ãohn?". Pensei que ele tinha algum déficit mental. Ele então começou a fazer gestos, puxar os olhos e depois escreveu com o dedo na minha pasta: 'Japão'. Entendi, respondi que era descendente de japoneses. Foi aí que entendi que ele era surdo-mudo.

Daí até o ponto que desço, fomos nos comunicando: ele perguntou se eu tinha namorado e por quê não; perguntou se eu morava por ali e contou onde morava; perguntou se eu tinha orkut (essa foi difícil de entender!) e disse que tinha. Ele estava acompanhado de uma amiga também surdo-muda, e de vez em quando eles se falavam por gestos. Senti que o pessoal do ônibus estava interessado no papo que rolava entre nós, mas ninguém falou nada, e eu também sou tímida o suficiente para não ter olhado pra ninguém. Chegamos ao ponto do metrô, muita gente saiu, a porta se fechou. De repente, os dois, a amiga e ele, saíram correndo e gritando coisas 'ininteligíveis' (?) ao cobrador, que mal olhava para eles. Eu também não estava entendendo muito bem, estava confusa assim como todo mundo, até que uma senhora gritou: "Pelo amor de Deus, gente, abre a porta, eles querem descer!". A porta se abriu, e eles nem souberam que foi a mulher quem os ajudou -porque ela não estava em seu alcance visual.

Confesso que me senti realmente mal por não ter entendido o que eles queriam, nem podido assim ajudar. Mas acho que esse meu sentimento veio principalmente porque, de alguma forma, me senti na obrigação de retribuir a alguém que me ajudou não só a carregar meus pertences, mas também me fez ver que, muita vezes, os surdos e mudos somos nós -nós, os do "lado de cá".
E que raios de comunicação é essa, truncada ou inexistente, que muitas vezes preferimos estabelecer com o outro? Só não se comunica quem não quer. E quem quer? Não está fácil pra ninguém, mas às vezes o lado que tem mais dificuldades é o que persevera.

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