segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Análise psicológica de Sweeney Todd e Sra. Nellie Lovett


"Você roubou meu sossego.

Você roubou minha paz!

Com você eu vivo a sofrer

Mas sem você vou sofrer muito mais

Já não é amor, Já não é paixão

O que eu sinto por você é obsessão" (Orquestra Imperial, "Obsessão", Milton De Oliveira e Mirabeau)


Férias, jiboiar na frente da tevê, tirar o atraso dos filmes que queria ver. Um deles era o "Sweeney Todd - o barbeiro demoníaco da Rua Fleet". Não sei se foi pela boa companhia ou se isso foi apenas a cereja do bolo, mas adorei! Fiquei pensando nele por alguns dias ainda, o que, pra mim, é um bom sinal -sinal de que fui "afetada" pelo filme, ou seja, o filme me provocou algum tipo de afeto. Qual afeto? Não sei explicar. E nem quero.
Mas não explicar não me impede de elucubrar, viajar em cima de algumas questões que foram surgindo enquanto assistia às ótimas atuações do Johnny Depp e da Helena Bonham Carter, respectivamente o demoníaco barbeiro e sua assistente. Aliás, já sendo honesta: na minha opinião, a Sra. Lovett rouba a cena em muitos momentos. E é por isso que é sobre ela que escreverei aqui.
(agora é hora de você perguntar por quê eu incluí o Mr. Todd no título se vou falar apenas de sua assistente. E eu, então, respondo com a pergunta: se eu não colocasse, você saberia quem é a Sra. Nellie Lovett? Duvido!)
Resumindo a história: Sweeney Todd é um barbeiro da velha Inglaterra, que foi exilado por um juiz que queria ficar com sua bela mulher e sua filhinha. Ele retorna quinze anos depois, com um nome falso e alguns parafusos a menos, disposto a se vingar e ter de volta suas amadas. No caminho, descobre uma aliada, a Sra. Lovett, que lhe informa que sua mulher se envenenou. Ele, surdo de tristeza e de loucura, nem escuta Sra. Lovett cantar em seu ouvido: Se você ao menos soubesse, Sr. Todd ("My friends"). Já ela, cega de amor, não vê ou não se importa em responder como se fossem para ela os carinhos tecidos por Todd e dirigidos não a ela, mas sim a suas navalhas de prata.

No entanto, ela, diferentemente do que definimos como sinais de amor, como respeitar a identidade do outro, aceitando-o como é, parece muita vezes manipular Sweeney, atuando como uma parte faltante, um ego auxiliar, alguém que responde por seus atos. Por outro lado, ela também se deixa influenciar por ele, por vezes fazendo coro a suas atitudes (como zombar de Pirelli, o barbeiro estrangeiro).

Os dois se envolvem um ao outro, num processo fusional que é mostrado pelas roupas, sempre em tonalidades escuras contrastando com a pele branca e os olhos fundos. O tom cinza, na verdade, toma conta do filme todo (créditos a figurinistas, cenografistas e etcistas), num jogo de luz e sombra que parece destacar a ambivalência do ser humano, com seus momentos de lampejo e de escuridão. E, como bem comentou um amigo meu (:P), a única cor que realmente vive e brota nos habitantes da cidade é a cor do sangue, vermelho e brilhante, como que acumulando vida enclausurada naqueles corpos -neste sentido, o que Todd faz com seus clientes seriam redenções, e não assassinatos.

Voltando à Sra. Lovett. Em uma das músicas, ela canta sua solidão fazendo as piores tortas de Londres ("The worst pies in London"). Ela se sentia sozinha, carente e, dessa forma, nada do que produzisse, que fizesse com suas próprias mãos, poderia sair saboroso. Talvez, mais do que a carne humana posteriormente adicionada em suas receitas, era a companhia de um pseudo-marido e de um pseudo-filho o tempero que faltava para que ela pudesse se sentir provedora novamente. Não à toa, para a psicanálise, o forno é um símbolo relacionado à fertilidade, ao útero.

A relação com Toby, menino órfão que ela cuida, alimenta e de quem recebe amor e devoção incondicionais, é das mais tocantes. Enquanto ele, numa bela declaração de amor, canta que ninguém lhe fará mal enquanto ele estiver por perto ("Not while I´m around"), ela, confusa pelo amor que sente pelo menino e a obsessão que a impede de ver o lado sombrio e insano de Todd, canta para ele e tenta distrai-lo. Ela não tem forças para, na hora necessária, matar o filho, mas o deixa trancafiado num lugar cheio de tortas feitas por ela. E, quando Todd quer matá-lo, Nellie Lovett tenta impedi-lo, mas depois o ajuda a procurá-lo, tentando enganar Toby com a mesma canção que ele lhe dedicou.

Já no início do filme, a personagem de Helena Bonham Carter fala sobre o ex-marido num misto de saudade resignada e ironia: ele vivia sentado na cadeira devido à gota. Não dá pra saber se ele realmente morreu ou se foi morto -fica por conta da imaginação. E será que, quando casada, ela já nutria um amor por Sweeney? Como ela poderia ter percebido de cara que ele, na verdade, era o barbeiro outrora feliz e apaixonado, sem vê-lo por quinze anos? Por vezes se tem a impressão de que todos os seus atos são calculados. Em outros momentos, vê-se uma mulher perdida pelo medo de perder o pouco que tem, desesperada e cega pela obsessão. E é essa riqueza de "afetos" que a torna tão intrigante.

Nenhum comentário: