quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Mulher a(o)-mar


Acho que já disse isso: sim, eu dou uma espiadinha no Big Brother Brasil. Desde o primeiro, sei até o nome do primeiro eliminado do BBB1, e provavelmente lembro boa parte dos nomes dos que já passaram naquela casa. Lembro até que a Marisa Orth apresentava junto com o Pedro Bial no começo, mas acho que não emplacou, porque ela logo foi eliminada (ou pediu pra sair). Eu o faço por prazer e acho que, por mais que nem sempre goste, tenho que experimentar as coisas do meu tempo, pois senão, quando velha, serei apenas nostalgia de um tempo que não vivi.
Sou daquelas que todo ano promete não assistir ao próximo, mas vai vendo "só" a vinheta pra ver se é a mesma, aí o primeiro líder, logo vem o paredão. Este ano foi igual. Mas a diferença é que a Ariadna e sua transsexualidade foram o golpe de mestre, a novidade que chamou a atenção de todos. Como se comportaria um transsexual? E se um dos homens 'pegasse' ele sem saber? Todos quiseram assistir.
A surpresa é que Ariadna foi mais discreta do que se imaginaria (disso como telespectadora da edição da Globo apenas, e não do pay-per-view, porque afinal eu também trabalho e leio Milan Kundera). Ela falou pouco de si, apesar de não mentir em nenhum momento - apenas omitir. Mas a omissão já foi absolvida há tempos da cadeira de réus das mentiras. Gostava de fofoca? Sim, como toda mulher e como todo homem. Sentiu-se insegura frente a conselhos dos amigos gays? Sim, e não dá mesmo pra saber as reais intenções daqueles conselhos. Dançava seminua até o chão e agarrava os outros? Claro, assim se camuflava ainda mais.
Outra surpresa veio depois. A surpresa de um primeiro paredão em que 100% eram negros (ou mulatos, enfim, não-brancos), mas ninguém deu atenção pra isso, e 66% eram GLBTS, a corda estourou no lado de sempre - o mais fraco. Porém, este "mais fraco" era novidade no jogo.
Encarar um transsexual não é fácil: há a curiosidade, a negação, a repulsa. Encará-lo é se haver com a própria bissexualidade original, guardada a sete chaves há muito tempo. Porém, mais do que isso, a escolha do publico mostrou o preconceito enrustido na falsa defesa da verdade "exposta a qualquer preço", da assunção de si mesmo. Quais dessas pessoas que votaram alegando estes motivos assumiria algo tão íntimo como suas escolhas sexuais, a relação com o corpo e o gênero, para dezesseis desconhecidos assim, de cara? Desconhecidos com quem se teria de conviver e dos quais dependeria até o fim do jogo. O que a eliminou foi o preconceito, e não o fato que ela tinha um segredo. Afinal, quem não tem? Quem não tem segredos não é interessante.
Alegar seus votos por meio de discursos socialmente aceitos, e valorizados, torna muito mais fácil achar um pretexto para responsabilizar Ariadna pela própria saída do programa. Ela não se mostrou como é realmente? Ela foi falsa com os outros? Mas sexualidade não é sinônimo de identidade. Eu, pelo menos, sou mais que isso.
E, na pergunta final do apresentador, a respeito do próximo sonho a buscar, ela foi a única, das eliminações de BBB´s que eu vi (e olhem que eu vi a grande maioria!), a responder de modo escancaradamente honesto e verdadeiro: sorrindo com jeito de menina tímida, falou que o sonho maior é ter de volta o amor de sua vida; é ser amada. Não respondeu posar nua nem virar atriz, sonhos rasos de quem não consegue ir mais fundo em si mesmo, incapaz, portanto, de encontrar a própria identidade. Essa resposta, para mim, é muito mais a tal da verdade verdadeira.

Um comentário:

Unknown disse...

De todas as interessantes frases e reflexões (e quantas!), a que mais chamou a atenção foi "sexualidade não é sinônimo de identidade". Uma pessoa como ela, com histórico de vida tão permeado por preconceitos e pelas diferenças - a começar pelo corpo em discrepância com a "alma" - seguramente é muito mais do que a sexualidade que assume. Ela enfrentou mais um "paredão" da vida, aonde qualquer diferença deve ser eliminada; mais uma vez, sofreu uma exclusão. Bial, que acredita ter faltado a ela "assumir" sua identidade, foi portador da voz da hipocrisia (do público) de um preconceito implícito. Sim, porque as diferenças e transitoriedades não podem se "camuflar"; precisam radicalmente ou se esconder ou se expor de maneira grotesca e súbita a 16 participantes desconhecidos e a milhões de telespectadores. Interessante é pensar que da mesma maneira que o público julgou de certa forma uma "camuflagem" o não posicionamento da participante, este também camuflou o próprio preconceito.
Muito bom o que você escreveu, Ju! Uma reflexão imprescindível!